Año 11, Número 20, enero-junio de 2026
Explorando a Diversidade Cultural: Avaliação das Candidaturas ao Prêmio Cultura Viva Sérgio Mambert – Pessoa Idosa
Exploring Cultural Diversity: Evaluation of Applications for the Cultura Viva Sérgio Mamberti Award – Older Adults Category
AutoClaudia Reinoso Araujo de Carvalhor1
Universidad Federal de Río de Janeiro
Patricia Silva Dorneles2
Universidad Federal de Río de Janeiro
Karina Miranda Gama3
Ministerio de Cultura de Río de Janeiro
Resumen
A Política Nacional de Cultura Viva, instituída no Brasil pela Lei 13.018/2014, tem como objetivo o fortalecimento de iniciativas culturais comunitárias, promovendo a cultura como direito e ferramenta de emancipação. Com enfoque participativo e inclusivo, valoriza a diversidade cultural e fomenta redes de base, reconhecendo a cultura como espaço de resistência e transformação social. Em 2023, o Ministério da Cultura do Brasil lançou o Edital de Premiação Cultura Viva – Sérgio Mamberti, distribuído em quatro categorias, entre elas a Diversidade Cultural, com foco nas pessoas idosas. Esta premiação visou reconhecer saberes e manifestações culturais de pessoas com mais de 60 anos, promovendo a valorização da memória, dos saberes ancestrais e da troca intergeracional. O artigo analisa 115 propostas inscritas na categoria Pessoa Idosa, submetidas online via Mapa da Cultura. A avaliação seguiu critérios da Política Nacional de Cultura Viva e aspectos como memória, protagonismo e impacto comunitário. As candidaturas, majoritariamente de pessoas físicas, demonstraram ampla diversidade, com destaque para a região Nordeste do Brasil, significativa presença feminina e baixa participação de pessoas idosas com deficiência. As expressões culturais incluíram artesanato, música, dança e tradições locais.
Palabras clave
Cultura, diversidade cultural, envelhecimento, políticas públicas.
Abstract
The National Policy for Living Culture (Política Nacional de Cultura Viva), established in Brazil by Law 13.018/2014, aims to strengthen community-based cultural initiatives, promoting culture as a right and a tool for emancipation. With a participatory and inclusive approach, it values cultural diversity and fosters grassroots networks, recognizing culture as a space for resistance and social transformation. In 2023, the Brazilian Ministry of Culture launched the Cultura Viva – Sérgio Mamberti Award, organized into four categories, including Cultural Diversity, which focused on older adults. This award sought to recognize the knowledge and cultural expressions of people over 60 years old, promoting the appreciation of memory, ancestral knowledge, and intergenerational exchange. This article analyzes 115 proposals submitted in the "Older Adult" category via the Mapa da Cultura online platform. The evaluation followed the criteria of the National Policy for Living Culture, assessing elements such as memory, protagonism, and community impact. The majority of applicants were individuals, revealing broad diversity, with a notable concentration in Brazil’s Northeast region, a significant female presence, and low participation of older adults with disabilities. The cultural expressions included crafts, music, dance, and local traditions.
Keywords
Culture, cultural diversity, aging, public policy.
Introdução
O fortalecimento da cidadania cultural das pessoas idosas está diretamente associado à garantia de seus direitos constitucionais. Neste contexto, o Edital de Premiação Cultura Viva – Sérgio Mamberti, lançado em 2023, emerge como uma iniciativa inovadora do Ministério da Cultura, especialmente por valorizar a contribuição desse público na formação e preservação das tradições culturais brasileiras. Alinhado à Política Nacional de Cultura Viva, o edital busca não apenas reconhecer práticas culturais já existentes, mas também estimular a continuidade e a transmissão intergeracional de saberes tradicionais.
A ação é coordenada pela Secretaria de Cidadania e Diversidade Cultural e contempla quatro categorias que abrangem diferentes segmentos da diversidade sociocultural: mestres e mestras da cultura popular, etnias indígenas, grupos em situação de vulnerabilidade e os Pontos de Cultura. A categoria "Pessoa Idosa" foi pensada para destacar agentes culturais com mais de 60 anos, que desenvolvem ou participam ativamente de ações culturais, muitas vezes com recursos escassos, mas com grande impacto comunitário.
As pessoas idosas detêm um papel estratégico na perpetuação dos valores culturais de seus territórios. São guardiãs de histórias, rituais, canções e saberes que correm o risco de desaparecer diante da globalização e da cultura de massas. Reconhecer esse valor é um imperativo ético e político, como afirmam estudos sobre envelhecimento ativo e participação cultural (Neri, 2018; Carvalho, 2022).
Histórico de Premiações Culturais Voltadas à Pessoa Idosa
Nas últimas décadas, o Ministério da Cultura promoveu algumas ações voltadas ao público idoso, ainda que de forma pontual. O primeiro edital dedicado especificamente a este grupo foi o "Prêmio Inclusão Cultural da Pessoa Idosa", de 2007, lançado com apoio do Instituto Empreender. O foco era reconhecer práticas que ampliavam o acesso das pessoas idosas à produção e fruição cultural. A diversidade das atividades contempladas incluiu oficinas artísticas, festivais, exposições e ações educativas, alcançando um total de 265 propostas inscritas.
Já em 2010, a segunda edição do prêmio, batizada de "Edição Inezita Barroso", homenageou uma das maiores representantes da cultura popular brasileira. Nesta edição, foram distribuídos 40 prêmios em duas modalidades: Expressões Artísticas e Desenvolvimento de Produtos Culturais. O alcance ampliado refletiu o crescente reconhecimento da importância da participação da pessoa idosa na vida cultural ativa.
Após um hiato institucional entre 2019 e 2022, a recriação do Ministério da Cultura em 2023 possibilitou o retorno dessas ações com maior abrangência. O Edital Sérgio Mamberti se insere neste momento de retomada das políticas públicas culturais. De acordo com dados oficiais, mais de mil iniciativas foram contempladas nas diferentes categorias do edital.
Metodologia e Critérios de Análise
A análise desenvolvida neste texto baseou-se em 115 candidaturas submetidas digitalmente pela plataforma Mapa da Cultura. A plataforma é reconhecida como um instrumento estratégico de coleta de dados e monitoramento das políticas culturais, permitindo maior transparência e eficiência no processo de avaliação.
As candidaturas ao edital foram organizadas conforme o tipo de inscrição, que podia ocorrer em três modalidades distintas: como agente individual de cultura viva com mais de 60 anos (pessoa física), como organização privada sem fins lucrativos voltada ao público idoso e com registro formal (CNPJ), ou ainda como grupo ou coletivo cultural composto por pessoas idosas, sem constituição jurídica. Além dessas classificações, foram registrados os dados referentes à cidade e ao estado dos proponentes.
Para verificar o alinhamento das propostas com os princípios da Política Nacional de Cultura Viva, foi considerada a existência de um histórico de ações culturais desenvolvidas e devidamente documentadas, a inserção das atividades no contexto comunitário, a produção de bens culturais voltados à valorização e à salvaguarda das expressões culturais locais e regionais, bem como o grau de articulação em redes colaborativas. Essas redes deveriam evidenciar a troca de saberes, o desenvolvimento de práticas culturais compartilhadas e a realização de experiências formativas, criativas ou de fruição artística. Também se levava em conta se o proponente manifestava interesse em se tornar um Ponto de Cultura.
No processo de avaliação e seleção das propostas, buscou-se identificar se a iniciativa favorecia a preservação da memória cultural das pessoas idosas, promovendo a transmissão de seus conhecimentos no interior das comunidades em que vivem. Também foi avaliado se a ação incluía dimensões pedagógicas ou formativas voltadas às expressões culturais de públicos específicos, como pessoas com deficiência, idosos, populações LGBTQIA+ ou pessoas em sofrimento psíquico, contribuindo para ampliar repertórios e estabelecer vínculos com instituições de ensino. Outro aspecto fundamental foi verificar se a proposta incentivava a atuação ativa e protagonista das pessoas idosas e se previa estratégias eficazes para garantir esse protagonismo. Por fim, considerou-se o potencial da iniciativa para gerar benefícios concretos às pessoas idosas pertencentes à comunidade atendida.
Além desses critérios, o edital previa a atribuição de pontos extras em alguns casos específicos: candidaturas apresentadas por pessoas com deficiência, mediante comprovação por laudo médico; propostas lideradas por mulheres; inscrições de pessoas negras ou ligadas a tradições de matriz africana ou de comunidades de terreiro; e, ainda, iniciativas protagonizadas por pessoas indígenas ou oriundas de povos e comunidades tradicionais.
A avaliação das propostas foi conduzida por dois especialistas, que atribuíram pontuações conforme os critérios estabelecidos: variando de zero a vinte pontos para os critérios principais (referentes ao item 3) e de zero a três pontos para os critérios de bonificação (mencionados no item 4). A soma desses valores determinava a pontuação final de cada candidatura. Nos casos em que houve uma divergência superior a 30% entre as notas atribuídas pelos dois avaliadores, a proposta era encaminhada a um terceiro parecerista. Esse novo avaliador realizava uma análise independente, e sua nota substituía aquela que mais se distanciava da avaliação complementar.
Análise Regional das Candidaturas
A predominância da região Nordeste com 53 propostas evidencia a força das culturas populares locais e a mobilização comunitária em torno de práticas culturais enraizadas. Destaca-se a variedade de expressões contempladas, como maracatu, ciranda, bonecos gigantes, cordel, capoeira e samba de coco. Essa diversidade reflete a vitalidade cultural da região e o protagonismo de seus agentes. Além disso, é relevante observar que muitas propostas do Nordeste foram lideradas por mulheres negras com atuação reconhecida em comunidades periféricas e quilombolas, o que reforça o papel dessas mulheres como agentes fundamentais de articulação e transmissão cultural. Também chama atenção a presença de iniciativas vinculadas a terreiros e manifestações religiosas afro-brasileiras, que reafirmam a importância da dimensão espiritual na cultura popular nordestina.
No Sudeste, as 27 propostas apresentaram grande diversidade temática, abrangendo desde música e literatura até cinema e dança contemporânea. No entanto, houve menor participação feminina (9 mulheres) e de pessoas com deficiência (3). A região também apresentou algumas candidaturas que não atenderam aos critérios específicos da categoria, revelando a necessidade de maior clareza na comunicação do edital. Em contrapartida, a região Sudeste apresentou iniciativas inovadoras no campo da literatura marginal, do hip-hop e da memória cultural urbana, especialmente em contextos de periferia e favelas, com destaque para cidades como São Paulo e Rio de Janeiro. Tais propostas evidenciam o potencial transformador da arte urbana como ferramenta de inclusão cultural para a população idosa.
A região Sul, com 15 inscrições, destacou-se pela presença significativa de mulheres (9 propostas) e pela variedade das iniciativas, que incluíram teatro, artesanato e dança. Observa-se ainda a presença de propostas com ênfase no resgate de saberes de imigração europeia e tradições rurais. Algumas candidaturas vieram de pequenas cidades com forte herança cultural de colonização alemã e italiana, o que permite observar como o envelhecimento nessas comunidades está fortemente ligado à preservação de tradições familiares e de memória coletiva local. A valorização da oralidade e da culinária típica também esteve presente em diversas propostas.
Já no Centro-Oeste, as 14 propostas evidenciaram a força das comunidades indígenas, com destaque para a participação da Comunidade Kinikinau (MS), cujas ações envolveram produção oral e memória coletiva. Além das iniciativas indígenas, foram registradas propostas vinculadas a comunidades rurais e assentamentos da reforma agrária, que propõem formas de resistência cultural associadas à terra, à ancestralidade e à religiosidade popular. A baixa participação de instituições com CNPJ nessa região pode indicar dificuldades de formalização e acesso às estruturas burocráticas dos editais públicos, o que levanta a necessidade de políticas de capacitação e assessoramento técnico.
Na região Norte, foram apenas 6 candidaturas, revelando uma possível dificuldade de acesso à informação ou limitações técnicas na participação digital. Ainda assim, as iniciativas abordaram temas ligados à cultura amazônica, carimbó, expressões ribeirinhas e saberes tradicionais. Essa baixa adesão pode indicar uma lacuna nas estratégias de inclusão digital e territorial do edital. A região abriga uma enorme diversidade étnico-cultural, incluindo populações indígenas, quilombolas, ribeirinhas e extrativistas, cuja participação precisa ser ampliada nos próximos ciclos. As propostas recebidas também revelaram o papel das mulheres como mantenedoras da cultura oral e das práticas medicinais tradicionais, o que demanda maior valorização nas políticas públicas culturais futuras.
Discussão e Considerações Teóricas
A análise das candidaturas permite refletir sobre o lugar das pessoas idosas nas políticas culturais brasileiras. Apesar dos avanços recentes, como a retomada do Ministério da Cultura e a elaboração de editais voltados para a diversidade, os dados coletados apontam para persistentes assimetrias regionais, de gênero, étnico-raciais e também relacionadas à deficiência. Tais desigualdades são estruturais, históricas e atravessam as políticas públicas de modo transversal, sendo necessárias ações afirmativas duradouras e com foco territorializado, sensíveis às realidades locais.
No campo das políticas públicas, o conceito de interseccionalidade, conforme analisado por Silva e Barbosa (2017), permite compreender como diferentes eixos de desigualdade – idade, raça, gênero, deficiência – se articulam e se potencializam, produzindo experiências singulares de exclusão. Aplicar essa lente ao campo da cultura é crucial para que as políticas não reproduzam invisibilidades, mas sim reconheçam a pluralidade de sujeitos e experiências presentes nas expressões culturais.
A compreensão da pessoa idosa como sujeito cultural ativo ainda é um desafio. Romper com a imagem de um idoso inativo, dependente e desvinculado das dinâmicas sociais é fundamental para o desenho de políticas públicas inclusivas. As propostas analisadas evidenciam que a população idosa é capaz de liderar projetos, fomentar redes de transmissão de saberes e construir soluções criativas em seus territórios. Nesse sentido, a valorização do protagonismo cultural da pessoa idosa não deve ser encarada como concessão, mas como parte de um direito social assegurado.
Além disso, os direitos culturais das pessoas idosas estão claramente previstos no Estatuto do Idoso, que reforça a importância do acesso a espaços e bens culturais como dimensão da cidadania. O direito à memória, ao lazer criativo e à fruição estética precisa ser garantido por políticas que considerem os diferentes perfis de envelhecimento e os contextos socioterritoriais.
Autores como Carvalho (2022) reforçam que a participação cultural ativa favorece o fortalecimento de vínculos afetivos e comunitários, amplia a autoestima e contribui para o bem-estar físico e mental das pessoas idosas. A cultura, enquanto expressão e pertencimento, é uma ferramenta poderosa de inclusão social e democratização dos saberes, permitindo que os mais velhos se sintam reconhecidos e integrados em suas comunidades.
Conclusão
As 115 candidaturas ao Prêmio Diversidade Cultural demonstram o potencial das pessoas idosas como agentes culturais ativos. A concentração de propostas no Nordeste revela o dinamismo da região, mas também expõe desigualdades em outras regiões, especialmente no Norte e Centro-Oeste.
A predominância de mulheres entre os proponentes aponta para uma realidade em que o cuidado e a transmissão cultural ainda são fortemente marcados pelo gênero. Por outro lado, a baixa participação de pessoas com deficiência sugere a necessidade de revisão dos mecanismos de inclusão.
Para o futuro, é fundamental ampliar o acesso aos editais, simplificar os processos de inscrição, investir em formação digital e assegurar a continuidade dessas políticas. A cultura é uma das principais formas de garantir que o envelhecimento seja ativo, produtivo e respeitado.
Este estudo compõe as atividades do projeto "Mapa da Diversidade Cultural - Sérgio Mamberti", parceria entre o Ministério da Cultura e a UFRJ, por meio do LACAS, da SUPERSABERES e do Fórum de Ciência e Cultura.
Referencias
Brasil. (2003). Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003. Estatuto do Idoso. Diário Oficial da União. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2003/L10.741.htm
Carvalho, C. R. A. (2022). Participação sociocultural das pessoas idosas: uma análise à luz das políticas públicas. Brazilian Journal of Health Review, 5, 2809–2819.
Ministério da Cultura. (2007). Prêmio Inclusão Cultural da Pessoa Idosa 2007. Brasília, DF: MinC.
Ministério da Cultura. (2010). Prêmio Inclusão Cultural da Pessoa Idosa 2010 – Edição Inezita Barroso. Brasília, DF: MinC.
Ministério da Cultura. (2023). Edital de Premiação Cultura Viva Sérgio Mamberti. Brasília, DF: MinC.
Silva, J., & Barbosa, R. (2017). Políticas públicas e interseccionalidade: desafios e possibilidades. Revista Estudos de Política, 8(1), 45–63.
Neri, A. L. (2018). Envelhecimento e qualidade de vida na cultura brasileira. São Paulo: Alínea.
CÓMO CITAR ESTE ARTÍCULO
Reinoso Araujo de Carvalho, C., Silva Dorneles, P., & Miranda Gama, K. (2005). Explorando a Diversidade Cultural: Avaliação das Candidaturas ao Prêmio Cultura Viva Sérgio Mambert – Pessoa Idosa. Córima, Revista de Investigación en Gestión Cultural, 11(20). https//doi.org/10.32870/cor.a11n20.7505
1 Professora do Departamento de Terapia Ocupacional da Faculdade de Medicina e do Programa de Pós-Graduação em Psicossociologia de Comunidades e Ecologia Social do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4105-9191. claudiareinoso73@gmail.com
2 Atua no campo das políticas públicas de cultura desde 2001 em gestão pública e pesquisa. Professora do Departamento de Terapia Ocupacional e do Programa de Pós-Graduação em Psicossociologia de Comunidades e Ecologia Social do Instituto de Psicologia da UFRJ. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3440-7549 patricia.dorneles.ufrj@gmail.com
3 Ministério da cultura Diretora de Promoção da Diversidade Cultural da Secretaria de Cidadania e Diversidade Cultural do Ministério da Cultura (MinC). Especialista em gestão e política cultural no desenvolvimento, implementação e gestão de programas e projetos, produção cultural e área comunicacional. karina.gama@cultura.gov.br